Cafés de Lisboa Amados por Pessoa sob a Luz do Entardecer

Lisboa, com suas ruas de pedra polida e o Tejo refletindo o céu, é uma cidade que respira poesia. E ninguém capturou sua alma como Fernando Pessoa, o poeta que transformou o cotidiano lisboeta em versos imortais.

Sob a luz dourada do entardecer, os cafés históricos da cidade – como A Brasileira e Martinho da Arcada – tornam-se portais para a vida e a obra de Pessoa, lugares onde ele escrevia, sonhava e dava vida aos seus heterônimos.

Este roteiro literário convida você a caminhar por Lisboa, sentar nas mesas que o poeta frequentou e sentir o peso de suas palavras enquanto o sol se põe.

Prepare-se para uma viagem que une história, literatura e o charme inconfundível dos cafés lisboetas, com um toque de nostalgia e inspiração.

Um Poeta entre Cafés e Versos

Fernando Pessoa, nascido em 1888 no Largo de São Carlos, no coração do Chiado, foi mais do que um escritor: foi um universo de vozes. Criador de heterônimos como Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e o semi-heterônimo Bernardo Soares, ele deu vida a personagens com estilos, filosofias e até biografias próprias.

Sua obra-prima, Livro do Desassossego, escrita por Soares, reflete a inquietude de quem observava Lisboa com olhos profundos, encontrando poesia no trivial. Pessoa viveu a maior parte de seus 47 anos na capital portuguesa, exceto por uma década na infância em Durban, África do Sul, onde seu padrasto era cônsul.

De volta a Lisboa, ele fez dos cafés do Chiado e da Baixa seus refúgios, onde traduzia textos comerciais, escrevia poemas e discutia ideias com intelectuais da época.

Os cafés de Lisboa, no início do século XX, eram mais do que pontos de encontro – eram centros de efervescência cultural. Escritores, artistas e pensadores se reuniam em tertúlias, trocando ideias sobre literatura, política e modernismo.

Pessoa, um habitué desses espaços, encontrava neles o equilíbrio perfeito entre solidão e convívio. No Café A Brasileira, no Chiado, ele saboreava absinto enquanto rabiscava versos; no Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, escrevia ao fim da tarde, com vista para o Tejo. Esses lugares, ainda abertos, preservam a memória do poeta e oferecem aos visitantes uma chance de vivenciar sua Lisboa.

A Brasileira: Onde Pessoa Encontrava a Inspiração

No coração do Chiado está o Café A Brasileira, fundado em 1905 para servir café brasileiro, uma novidade na Lisboa da época. Com sua fachada art nouveau e interior decorado com espelhos e madeira polida, o café rapidamente se tornou um ponto de encontro para intelectuais.

Pessoa era um dos mais assíduos, e sua presença é eternizada por uma estátua de bronze na esplanada, onde ele aparece sentado, com um livro na mão. Sentar-se ao lado dessa estátua, especialmente ao entardecer, quando o sol ilumina o Largo do Chiado, é como compartilhar um momento com o poeta.

A Brasileira era mais do que um café para Pessoa; era um espaço de criação. Ali, ele escrevia poemas e refletia sobre seus heterônimos, como Álvaro de Campos, cuja poesia vibrante ecoa a energia do Chiado.

O café, hoje, mantém o charme de outrora, com mesas na calçada perfeitas para observar o vaivém dos lisboetas. Peça uma “bica” (o expresso português) ou um pastel de nata e mergulhe na atmosfera que inspirou versos como os de Mar Português em Mensagem: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!” – um eco da alma marítima de Lisboa, visível do Chiado em dias claros.

O café também foi palco de tertúlias modernistas, especialmente durante a criação da revista Orpheu, em 1915, que Pessoa fundou com Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros. Sentar-se em A Brasileira é reviver esse momento de ruptura cultural, quando Lisboa pulsava com ideias novas.

O entardecer, com sua luz suave, amplifica o romantismo do lugar, convidando você a folhear uma edição de Mensagem, o único livro em português publicado por Pessoa em vida, que celebra a alma marítima de Portugal.

Martinho da Arcada: A Mesa Reservada do Poeta

Na Praça do Comércio, sob os arcos neoclássicos, o Martinho da Arcada, fundado em 1782, é o café mais antigo de Lisboa. Nos últimos dez anos de vida de Pessoa, de 1925 a 1935, ele tornou-se um refúgio quase diário. O poeta sentava-se em uma mesa no canto, onde escrevia, fazia refeições e conversava com amigos como Almada Negreiros.

Hoje, essa mesa permanece reservada em sua homenagem, decorada com fotos e reproduções de seus textos, um convite para os visitantes se conectarem com sua memória.

O Martinho da Arcada era o lugar onde Pessoa, muitas vezes como Bernardo Soares, contemplava o Tejo e a Baixa lisboeta. No Livro do Desassossego, Soares descreve a Rua dos Douradores, próxima dali, como um espaço de introspecção: “Amo estas praças solitárias, metidas entre ruas de pouco trânsito, e elas próprias sem mais trânsito que as ruas em redor.”

O café, com seu ambiente acolhedor e pratos tradicionais como bacalhau à Brás, disponíveis em restaurantes físicos ou em plataformas online, oferece um vislumbre da Lisboa que Pessoa amava – uma cidade de contrastes, entre o grandioso e o íntimo.

Visitar o Martinho ao entardecer é uma experiência única. A luz do sol reflete no Tejo, banhando a Praça do Comércio em tons de laranja, enquanto o aroma de café freshly brewed paira no ar. É fácil imaginar Pessoa escrevendo sua última frase em inglês, no hospital, em 1935: “I know not what tomorrow will bring.”

O Martinho da Arcada não é apenas um café; é um santuário literário, onde a alma inquieta do poeta ainda parece sussurrar.

A Casa Fernando Pessoa: O Coração da Vida do Poeta

Embora não seja um café, a Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique (Rua Coelho da Rocha, 16-18), é parada obrigatória nesse roteiro. Foi ali que Pessoa viveu seus últimos 15 anos, de 1920 a 1935, e onde hoje funciona um museu dedicado à sua obra.

A casa abriga uma reconstrução do quarto do poeta, com móveis originais, sua máquina de escrever e óculos, além de uma biblioteca com livros em oito idiomas, muitos com anotações suas. A visita é um mergulho na intimidade de Pessoa, revelando o homem por trás dos heterônimos.

O museu também exibe o manuscrito de O Guardador de Rebanhos, de Alberto Caeiro, classificado como Tesouro Nacional, e objetos pessoais, como cartas trocadas com Ofélia Queiroz, seu único amor conhecido. A Casa Fernando Pessoa organiza eventos literários, como leituras de poesia, que ecoam as tertúlias dos cafés.

Ao entardecer, o bairro de Campo de Ourique ganha uma calma que combina com a introspecção de Pessoa, tornando a visita ainda mais especial.

Você pode adquirir edições de suas obras em livrarias como a Bertrand, no Chiado, ou em lojas virtuais, para levar um pedaço da poesia consigo.

Livrarias do Chiado: Onde Pessoa Buscava Conhecimento

O Chiado, além de seus cafés, era o lar das livrarias que Pessoa frequentava. A Livraria Bertrand, fundada em 1732 e considerada a mais antiga do mundo, era um de seus destinos favoritos. Localizada na Rua Garrett, ela carrega selos em livros do acervo de Pessoa, prova de suas visitas.

A Bertrand mantém um painel dedicado ao poeta, pintado por Tamara Alves, e é um lugar perfeito para encontrar edições de Mensagem ou Livro do Desassossego.

Outra livraria histórica, a Ferin, também era frequentada por Pessoa, que buscava obras de filosofia e literatura estrangeira para alimentar sua mente inquieta.

Visitar essas livrarias ao entardecer, quando o Chiado ganha um brilho dourado, é como seguir os passos do poeta. Pegue um livro, sente-se em um café próximo e leia trechos de Lisbon Revisited, onde Pessoa declara seu amor pela cidade: “Ó Lisboa, meu lar!”

A combinação de literatura e café cria uma experiência sensorial que conecta passado e presente, fazendo você sentir Lisboa como Pessoa a sentia.

O Elétrico 28: Um Passeio pelos Bairros de Pessoa

Para completar o roteiro, embarque no elétrico 28, o icônico bonde amarelo que cruza os bairros históricos de Lisboa, incluindo o Chiado e Campo de Ourique. Pessoa usava esse transporte para se deslocar pela cidade, e hoje ele é uma forma charmosa de conectar os pontos do roteiro.

O trajeto passa pelo Castelo de São Jorge e pela Alfama, mencionados no guia turístico escrito por Pessoa, e oferece vistas da Lisboa que inspirou seus versos. Ao entardecer, o elétrico ganha um charme especial, com a luz do sol filtrada pelas colinas da cidade.

Compre ingressos para o elétrico em pontos turísticos ou plataformas online, e planeje parar no Chiado para visitar A Brasileira ou na Praça do Comércio para o Martinho da Arcada. O passeio é uma oportunidade de ver Lisboa pelos olhos de Pessoa, com suas “ruas cheias de gente que não é gente, mas sombras de gente que passou”.

Dicas para uma Experiência Literária Autêntica

Para vivenciar plenamente esse roteiro, planeje sua visita para o fim da tarde, quando a luz do entardecer transforma Lisboa em um cenário poético.

Comece pela Casa Fernando Pessoa, aberta até as 18h, para entender a vida do poeta. Depois, pegue o elétrico 28 até o Chiado e visite a Livraria Bertrand antes de se sentar em A Brasileira. Termine no Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, para um jantar com vista para o Tejo. Leve um caderno para anotar inspirações, como Pessoa fazia, e considere adquirir souvenirs literários, como edições de suas obras, em lojas físicas ou virtuais.

Evite horários de pico nos cafés, especialmente A Brasileira, que fica lotada de turistas. Reserve uma mesa no Martinho da Arcada para garantir a experiência completa. E, claro, leia trechos de Livro do Desassossego ou Mensagem enquanto toma um café – é a melhor forma de sentir a presença do poeta.

A Lisboa de Pessoa ao Seu Alcance

Os cafés de Lisboa, sob a luz do entardecer, são mais do que cenários históricos – são pedaços da alma de Fernando Pessoa. De A Brasileira, com sua energia vibrante, ao Martinho da Arcada, com sua calma contemplativa, esses lugares guardam as inquietudes e os sonhos do poeta que transformou Lisboa em poesia.

Ao seguir esse roteiro, você não apenas visita cafés, mas revive a Lisboa de Pessoa, com suas ruas, seus versos e sua melancolia. Pegue um livro, sente-se à mesa, peça uma bica e deixe a cidade contar sua história.

Qual será o próximo verso que Lisboa inspirará em você? Compartilhe suas impressões nos comentários e inspire outros viajantes literários!