Livrarias Antigas de Buenos Aires nos passos de Borges

Buenos Aires pulsa com histórias, e poucas vozes narram sua alma tão vividamente quanto Jorge Luis Borges. O escritor argentino, cuja mente construiu labirintos de ideias e espelhos de ficção, transformou as ruas, livrarias e cafés da cidade em cenários de sua imaginação.

Caminhar por Buenos Aires em busca dos lugares que Borges frequentava é mais que um roteiro turístico — é uma imersão em sua literatura, onde cada esquina sussurra trechos de Ficciones ou O Aleph.

Este guia leva você pelas livrarias antigas da capital argentina, com paradas em cafés e restaurantes que marcaram a vida do autor, enquanto entrelaça sua biografia, obras e legado. Prepare-se para um passeio que mistura o real e o fantástico, como só Borges saberia criar.

Forjando Labirintos na Mente de Borges

Jorge Luis Borges (1899–1986) é um dos maiores nomes da literatura mundial, um mestre que transformou contos curtos em universos infinitos. Nascido em Buenos Aires, no bairro de Palermo, Borges cresceu entre livros em inglês e espanhol, uma dualidade que moldou sua visão cosmopolita.

Sua infância em uma casa com uma vasta biblioteca familiar despertou seu amor por histórias, de Shakespeare a Cervantes. Aos 20 anos, após temporadas na Europa, voltou à Argentina e mergulhou na vanguarda literária, fundando revistas como Prisma e Proa e publicando ensaios e poemas que capturavam o espírito portenho.

Borges não escreveu romances longos; seus contos, como os de Ficciones (1944) e O Aleph (1949), são densos, filosóficos e repletos de camadas. Ele explorava temas como o infinito, o tempo e a identidade, muitas vezes com um toque de mistério.

Sua obra lhe rendeu prêmios como o Cervantes (1979) e o reconhecimento global, embora o Nobel, para surpresa de muitos, nunca tenha chegado.

Cego a partir dos 50 anos, Borges continuou criando, ditando textos que desafiavam a realidade. Sua vida e obra estão intrinsecamente ligadas a Buenos Aires, especialmente às livrarias que ele via como templos do saber.

Palco de Livros no Ateneo Grand Splendid

Nenhuma viagem literária por Buenos Aires começa sem uma visita à Livraria El Ateneo Grand Splendid, um ícone que Borges certamente apreciaria. Localizada na Avenida Santa Fe, 1860, essa antiga casa de tango e teatro, inaugurada em 1919, foi transformada em livraria em 2000, mas já nos tempos de Borges era um espaço cultural vibrante.

Imagine o escritor, com seus óculos de armação grossa, caminhando entre as prateleiras de um teatro convertido, onde o eco de tangos parece dialogar com seus contos. A livraria, com seu teto abobadado pintado com afrescos e cortinas de veludo vermelho, é um convite a se perder — como em um dos labirintos de Borges.

Enquanto folheia Ficciones em um dos balcões do antigo palco, agora um café, você sente a presença do autor. Borges, que amava o paradoxo, talvez visse o Ateneo como um espelho do infinito: um lugar onde o passado teatral e o presente literário se encontram.

Dedique algumas horas para explorar os andares superiores, onde livros de filosofia e literatura argentina convivem. Leia “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius” aqui, e perceba como a ideia de um mundo fictício criado por livros ganha vida entre essas paredes.

Refúgio Literário em Los Libros del Pasaje

Na Recoleta, a Livraria de Los Libros del Pasaje (Thames, 1762) oferece um contraste acolhedor ao esplendor do Ateneo. Fundada em 2004, ela não existia nos dias de Borges, mas seu charme nostálgico — prateleiras de madeira, luz suave e um pequeno café — evoca o tipo de lugar que ele frequentava.

Borges, que trabalhou como bibliotecário na Biblioteca Nacional, valorizava espaços onde os livros eram mais que mercadorias; eram portais. Los Libros del Pasaje, com sua seleção de obras literárias e eventos culturais, parece um eco moderno das livrarias que ele conheceu.

Sente-se no café com O Livro de Areia, uma coletânea de contos de 1975, e deixe que a história-título, sobre um livro com páginas infinitas, dialogue com o ambiente. A livraria organiza noites de poesia e lançamentos, algo que Borges, poeta e ensaísta, teria adorado.

Enquanto toma um cortado (café com um pouquinho de leite), imagine o escritor discutindo ideias com amigos, seus olhos já enfraquecidos captando o brilho das ideias. É um lugar para sentir a Buenos Aires literária, onde o passado e o presente se entrelaçam.

Sussurros de Tango no Café Tortoni

Nenhum itinerário pelos passos de Borges está completo sem uma parada no Café Tortoni, na Avenida de Mayo, 825. Fundado em 1858, é o café mais antigo de Buenos Aires e um dos favoritos do escritor.

Borges frequentava o Tortoni nos anos 1920 e 1930, quando o local era ponto de encontro de intelectuais, poetas e artistas. Sentado em uma de suas mesas de madeira, sob lustres elegantes, ele discutia literatura com amigos como Adolfo Bioy Casares. O ambiente, com suas paredes decoradas com fotos antigas e espelhos, parece congelado no tempo.

Peça um café com leite e um medialuna, e abra “O Sul”, um conto de Ficciones que mistura memória e destino. O Tortoni, com seu salão principal e o subsolo onde acontecem shows de tango, reflete o amor de Borges pela cultura portenha. Ele, que escreveu sobre o tango em poemas como “El Tango”, encontrava inspiração aqui.

Reserve uma mesa no fim da tarde, quando a luz dourada entra pelas janelas, e sinta a história viva do lugar. O Tortoni não é apenas um café; é um capítulo da Buenos Aires de Borges.

Eterna Cadencia como Herança Literária

Em Palermo Soho, a Eterna Cadencia (Honduras, 5582) é outra livraria que, embora mais recente (fundada em 2005), captura o espírito das que Borges conhecia. Com sua fachada discreta e interior repleto de livros cuidadosamente selecionados, ela lembra as livrarias independentes dos anos 1940, como a Pygmalion, que Borges frequentava.

A Eterna Cadencia é também uma editora, publicando obras que dialogam com o legado literário argentino, algo que o escritor, sempre atento à tradição, apreciaria.

Explore a seção de literatura latino-americana e pegue El Hacedor (1960), uma coleção de poemas e prosas curtas onde Borges reflete sobre memória e criação.

O café da livraria, com cadeiras confortáveis e janelas que dão para a rua, é ideal para ler e imaginar o autor caminhando por Palermo, seu bairro natal. A Eterna Cadencia também sedia eventos literários, como Borges fazia em sua juventude. É um espaço onde o presente literário de Buenos Aires honra o passado.

Sabores e Ideias em La Biela

Para uma pausa gastronômica, siga para La Biela, na Avenida Quintana, 596, na Recoleta. Este restaurante e café, fundado em 1850, era outro ponto de encontro de Borges, especialmente nos anos 1960 e 1970. Ele se reunia ali com escritores e amigos, discutindo ideias em meio ao burburinho de clientes. La Biela, com suas mesas ao ar livre e decoração clássica, é um lugar onde o tempo parece suspenso, como em um conto borgeano.

Peça um prato tradicional, como bife de chorizo com batatas fritas, e mergulhe em “O Zahir”, um conto sobre um objeto que consome a mente. Borges, que amava paradoxos, talvez visse La Biela como um espaço onde o cotidiano e o eterno se cruzam. O restaurante fica perto do Cemitério da Recoleta, que inspirou o poema “A Recoleta” de Borges. Após a refeição, caminhe até lá para sentir a melancolia que permeia suas obras.

Buenos Aires Tecida por Borges

Seguir os passos de Borges por Buenos Aires é mais que visitar lugares; é entrar em seu universo literário. As livrarias, como El Ateneo e Eterna Cadencia, são portais para suas ideias, enquanto cafés como o Tortoni e restaurantes como La Biela guardam o eco de suas conversas.

Sua obra, premiada e celebrada, continua viva nas ruas da cidade. Borges, que dizia que “o livro é uma extensão da memória e da imaginação”, transformou Buenos Aires em um texto vivo.

Para o viajante literário, este roteiro é uma chance de ler Borges enquanto caminha por seus cenários. Leve Ficciones ou O Aleph na mochila, e deixe que cada livraria e café revele uma nova camada de suas histórias. Buenos Aires, com seus labirintos de pedra e papel, espera por você.