Ruas de Dublin para Fãs de James Joyce em um Fim de Semana Chuvoso

Dublin acorda sob uma cortina de chuva fina, o tipo de garoa que faz as ruas de paralelepípedos brilharem e os telhados cantarem com o tamborilar das gotas. É o cenário perfeito para se perder na cidade que James Joyce transformou em poesia, onde cada esquina, cada pub, cada ponte sobre o rio Liffey sussurra trechos de Ulysses e Dubliners.

Um fim de semana chuvoso não é só comum aqui — é um convite para caminhar devagar, com um guarda-chuva na mão e um exemplar de Joyce no bolso, sentindo a alma da cidade que moldou um dos maiores escritores do mundo.

Esta é uma jornada para fãs de Joyce, ou para quem quer ver Dublin com olhos de poeta, em dois dias que misturam literatura, chuva e o calor humano dos pubs irlandeses.

Um pouco de Joyce, um pouco de Dublin

James Joyce, nascido em 1882 nos subúrbios de Dublin, é o coração pulsante desta cidade. Ele escreveu Ulysses, um romance que transforma um dia comum — 16 de junho de 1904, hoje celebrado como Bloomsday — em uma odisseia pelas ruas e pelos pensamentos de Leopold Bloom e Stephen Dedalus.

Dubliners, sua coletânea de contos, corta como uma faca afiada ao retratar a vida da classe média irlandesa, com suas alegrias e frustrações. Já A Portrait of the Artist as a Young Man revela a alma de um jovem buscando seu lugar no mundo. Joyce deixou Dublin em 1904, mas a cidade nunca o deixou. Ele carregava suas ruas, seus cheiros, seus sons, e os transformou em páginas que ainda levam viajantes a cruzar o Atlântico.

E a chuva? Ela é quase um personagem em suas obras, um pano de fundo que torna tudo mais introspectivo, mais vivo, mais Dublin.

Sábado de manhã: Onde a história de Joyce começa

Comece seu sábado no James Joyce Centre, escondido numa casa georgiana elegante na North Great George’s Street. O lugar é um santuário para quem ama Joyce, com cartas amareladas, fotos antigas e até uma réplica da casa de Leopold Bloom na Eccles Street, endereço fictício que ganha vida em Ulysses.

A chuva tamborila nas janelas, criando um ambiente acolhedor enquanto você explora a vida do escritor. Pegue um café na lojinha do museu, folheie uma edição de Ulysses e sinta a Dublin de 1904 se materializando. É o tipo de lugar que faz você querer anotar pensamentos num caderno, como se Joyce estivesse ali, sussurrando ideias. Chegue por volta das dez, quando o centro abre, para aproveitar a calma antes dos grupos.

A poucos passos dali, na Lincoln Place, está a Sweny’s Pharmacy, um cantinho que parece preso no tempo. Em Ulysses, Leopold Bloom entra aqui para comprar um sabonete de limão, um detalhe tão pequeno e tão humano que ficou imortal. Hoje, a farmácia não vende remédios, mas é um espaço cultural onde voluntários leem trechos do romance em voz alta.

A chuva lá fora torna tudo mais íntimo, com o grupo reunido em torno de velhas prateleiras de madeira, o ar cheirando a sabonete artesanal. Se puder, chegue à tarde para ouvir uma leitura — é de graça, mas uma doação é sempre bem-vinda.

Compre um sabonete de limão para levar; ele vai te transportar de volta a esse momento toda vez que você o usar.

Sábado à tarde: O Liffey e os pubs de Bloom

Para o almoço, caminhe até o rio Liffey e entre no The Winding Stair, um restaurante com alma de livraria que parece saído de um conto de Joyce. O nome vem de um poema de W. B. Yeats, mas o lugar é perfeito para fãs de Dubliners, com suas prateleiras de livros e vista para o rio cinzento sob a chuva.

Peça um ensopado de carne com Guinness ou um salmão defumado, sente-se perto da janela e deixe o Liffey te inspirar. O som abafado da chuva e o calor do prato criam um momento que lembra “The Dead”, com sua melancolia suave. Reserve uma mesa antes, porque o lugar fica concorrido, e saboreie a comida como se fosse um personagem de Joyce, encontrando poesia no cotidiano.

Depois, siga para o Davy Byrnes Pub, na Duke Street, onde Leopold Bloom pede um sanduíche de gorgonzola em Ulysses. O pub, com seus painéis de madeira e luz quente, é um pedaço vivo da Dublin de 1904. Peça o mesmo sanduíche, encontre um canto e observe os clientes — locais misturados com turistas, todos abrigados da chuva. É um momento para sentir a cidade como Bloom, vendo beleza nos detalhes mais simples. Chegue por volta das três para evitar o rush da tarde e deixe o pub te envolver em sua história.

A poucos passos, a National Library of Ireland, na Kildare Street, espera por você. Em Ulysses, Stephen Dedalus debate Shakespeare numa sala de leitura com cúpulas majestosas. A biblioteca é um refúgio perfeito para um dia chuvoso, com seu silêncio reverente e escadarias de mármore.

Passe um tempo explorando a exposição sobre Yeats, outro gigante literário de Dublin, ou apenas sente-se com seu exemplar de Joyce, deixando a chuva criar uma trilha sonora suave.

A entrada é gratuita, mas o lugar fecha cedo aos sábados, então chegue antes das cinco.

Sábado à noite: Uma noite no coração literário

Para fechar o primeiro dia, caminhe até o Dublin Writers Museum, na Parnell Square, que fica aberto até o início da noite aos sábados. Este museu, instalado em uma mansão georgiana do século XVIII, celebra a rica tradição literária da Irlanda, com um foco especial em Joyce e seus contemporâneos, como Yeats e Shaw.

Você encontrará manuscritos, primeiras edições e objetos pessoais que contam a história de como Dublin se tornou um berço de escritores. A chuva lá fora torna a visita ainda mais acolhedora, com as salas iluminadas por luz suave e o som das gotas ecoando nas janelas.

Passeie pelas exposições, toque nas páginas de uma edição antiga de Dubliners (com cuidado, claro) e sinta a presença de Joyce na cidade que ele nunca deixou de amar.

Chegue por volta das seis para aproveitar antes do fechamento, e a entrada custa cerca de sete euros. Depois, se quiser estender a noite, há uma cafeteria no museu onde você pode tomar um chá e refletir sobre o dia, com a chuva como companhia.

Domingo de manhã: A costa e o mar de Joyce

No domingo, comece com um passeio pela Sandymount Strand, uma praia que aparece em Ulysses no capítulo “Nausicaa”. Pegue o trem DART da estação Pearse — uma viagem curta de dez minutos — e caminhe pelo calçadão, com a baía de Dublin se estendendo sob o céu cinzento.

A chuva dá à praia um ar melancólico, perfeito para imaginar Bloom observando Gerty MacDowell, perdido em seus pensamentos. Leve um guarda-chuva resistente, porque o vento pode soprar forte, mas a vista da baía compensa cada gota.

De Sandymount, siga de DART até Sandycove para visitar a James Joyce Tower and Museum, numa torre Martello que marca o início de Ulysses. Joyce viveu aqui por um breve período em 1904, e o lugar é um mergulho na vida do escritor, com sua guitarra, cartas e vistas do mar que inspiraram suas palavras.

A chuva adiciona drama ao cenário, com as ondas batendo contra as rochas. Depois da visita, tome um café no People’s Park, perto da estação, para se aquecer antes de voltar ao centro. O museu abre às dez, e a entrada custa uns oito euros.

Domingo à tarde: Livros e um último café

De volta a Dublin, passe a tarde na Hodges Figgis, a livraria mais antiga da cidade, na Dawson Street. Mencionada em Ulysses, ela é um paraíso para amantes de livros, com prateleiras que parecem não acabar. A chuva torna o lugar ainda mais convidativo, com o cheiro de papel e o som abafado dos passos.

Compre uma edição de Dubliners ou um guia de Ulysses para levar para casa, e passe um tempo explorando as seções de literatura irlandesa. A livraria fecha cedo aos domingos, então chegue por volta das duas para aproveitar.

Para o almoço, vá ao Bewley’s Café, na Grafton Street, um ícone de Dublin com vitrais coloridos e um charme art déco. Embora Joyce já tivesse deixado a cidade quando o café abriu, ele captura a essência da Dublin literária.

Peça um chá com scones ou umshepherd’s pie, sente-se perto da janela e observe a chuva escorrer pelo vidro. É o tipo de lugar que faz você querer escrever um diário de viagem, com o calor do café contrastando com o frio lá fora.

Chegue por volta do meio-dia para evitar filas e saboreie o momento.

Domingo à noite: Música e despedida

Encerre seu fim de semana no The Cobblestone, na King Street North, um pub onde a música tradicional irlandesa ganha vida. Não está diretamente ligado a Joyce, but reflete a Dublin de Dubliners, com suas conversas animadas e melodias que ecoam pela noite.

Encontre um lugar perto dos músicos, peça um chá ou café (o pub tem opções sem álcool) e deixe a chuva lá fora ser a trilha sonora de fundo. As sessões começam por volta das oito, então chegue um pouco antes para garantir um assento. É o jeito perfeito de dizer adeus a Dublin, com o coração cheio de histórias.

Um último conselho para a estrada

Dublin, sob a chuva, é mais do que um destino — é uma experiência que mistura literatura, história e emoção. Caminhar pelas ruas de Joyce é sentir a cidade como ele a viu: cheia de detalhes, de vozes, de vida. Leve um guarda-chuva, botas confortáveis e um coração aberto.

A melhor época para capturar a essência melancólica e poética de Dublin sob chuva como descrito no roteiro é no Outono (setembro a novembro). As temperaturas variam entre 8°C e 15°C, com chuvas frequentes, mas geralmente leves — a garoa típica que dá charme às ruas de paralelepípedos e torna os pubs e cafés ainda mais acolhedores.

Setembro e outubro, em particular, têm menos turistas do que o verão, o que deixa lugares como o James Joyce Centre e a Sweny’s Pharmacy mais tranquilos para uma experiência intimista. Além disso, o outono traz eventos culturais, como o Dublin Theatre Festival (geralmente em setembro/outubro), que complementam a vibe literária.

Mas, mesmo num fim de semana qualquer, com a chuva caindo, você encontrará a Dublin que inspirou um gênio. E, quem sabe, talvez saia com sua própria história para contar.